LIÇÃO 10 – POR QUE PERDOAR?

Pr. Samuel Muniz Bastos
Pastor distrital em São Luís, MA

Até aqui, já estudamos neste trimestre a teologia do perdão, o processo do arrependimento, o amor de Deus, o preço do perdão e o que vem depois dele, ou seja, a resposta humana em amor, lealdade e reverência.

Na lição desta semana, vemos que o propósito do perdão na vida humana é ser um princípio gerador ativo de ações que se assemelhem às de Jesus e que tenham por objeto nossos semelhantes. Hoje entenderemos "por que perdoar?" e eu lhes afirmo que essa razão nada mais é do que uma autêntica imitação de Cristo.

O fator perdão

Por natureza, somos especialistas em ofender e em ficar magoados. E, por outro lado, somos aprendizes tardios na arte de perdoar. Se não houvesse o "fator perdão" no cristianismo, para que serviria esse tipo de religião? O perdão de Deus, outorgado ao homem, não é apenas um pronunciamento externo, que lhe permite continuar vivendo à revelia, depois de perdoado. É também um poder transformador do coração.

"O perdão de Deus não é meramente um ato judicial pelo qual Ele nos livra da condenação. É não somente perdão pelo pecado, mas livramento do pecado. É o transbordamento de amor redentor que transforma o coração." – O Maior Discurso de Cristo, pág. 114.

É o amor de Cristo que nos atrai e nos torna penitentes, e "se alguém está em Cristo, é nova criatura" (II Cor. 5:17). Essa novidade de vida implica em imitação. "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados" (Efés. 5:1). "Aquele que diz que permanece nEle, esse deve também andar como Ele andou" (I João 2:6).

Nas semanas anteriores vimos que a natureza de Deus é perdoadora e Seu amor extravasou em perdão na cruz. O fundamento do plano da redenção é o perdão amoroso de Deus. A vinda de Cristo em carne e osso foi para perdoar e restaurar no homem à imagem de Deus, distorcida pelo pecado.

Se a teologia do perdão permeia toda a Bíblia, como uma realidade inerente de Deus, como uma pessoa nascida em Cristo, não O imitaria no perdoar? "Porque Eu vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também" (João 13:15). O perdão no cristianismo é que o torna digno do nome de Cristo. Se não há disposição em perdoar, a religião é qualquer coisa, menos cristã. O perdão por parte do crente é uma demonstração palpável das digitais de Deus em seu caráter.

Quando a Bíblia afirma: "Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo (Efés. 4:32 NVI), não está pedindo algo que Cristo já não tenha feito e que não seja possível ao crente fazer na sua esfera de ação, pois "tudo é possível ao que crê" (Mar. 9:23).

Não é cristão aquele que vai à igreja, mas não tem disposição para amar e dar o perdão. "Que Cristo, a divina Vida, habite em vós, e manifeste por vosso intermédio o amor de origem celeste que irá inspirar esperança no desalentado e levar paz ao coração ferido pelo pecado. Ao aproximar-nos de Deus, eis a condição que temos de satisfazer ao pisar o limiar – que, recebendo misericórdia de Sua parte, nos entreguemos a nós mesmos para revelar a outros Sua graça." – O Maior Discurso de Cristo, pág. 115.

"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus" (Filip. 2:5).

É verdade que perdoar não é tão fácil. Para Deus não foi, mas Ele proveu um meio: Cristo crucificado. Quando o eu estiver crucificado com Cristo, é mais fácil agir como Ele agiu. Quando colocamos nossa vontade nas mãos de Deus, Ele opera em nós o querer e o efetuar (Filip. 2:13).

Perdão não é uma resposta ao nosso merecimento, e sim à nossa necessidade. Foi assim que Deus agiu, e espera que manifestemos tal sentimento para com os nossos ofensores.

Por que perdoar?

"Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará" (Mat. 6:14).

"Contudo, Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Luc. 23:34).

"Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe" (Luc. 17:3).

Temos várias razões para perdoar, mas quero enfatizar duas pelo menos.

1 – Jesus é o nosso modelo.

Ele veio a este mundo, enviado pelo Pai, para cumprir uma missão e, de modo semelhante, nos envia ao mundo com o propósito de difundir Sua missão (João 20:21).

Ele amou da maneira mais profunda, e pede que façamos o mesmo: "Que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei" (João 13:34).

Jesus viveu e expressou a mais profunda unidade de propósito e ação com Deus, como modelo para nós também: "a fim de que todos sejam um ; e como és Tu, ó Pai, em Mim e Eu em Ti, também sejam eles em Nós; para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (João 17:21).

Ele nos deu o mais sublime modelo de humildade na cerimônia de lava-pés, e acrescentou: "Porque Eu vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também" (João 13:15).

O Seu modelo de vitória é o padrão pelo qual devemos vencer. "Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no Meu trono, assim como também Eu venci e Me sentei com Meu Pai no Seu trono" (Apoc. 3:21). A vitória de Jesus na cruz inclui o perdão aos Seus algozes (Luc. 23:34), e se esperamos entrar no Céu como vitoriosos, precisamos vencer o eu, que é o maior empecilho para o perdão.

Somos uma testemunha ao mundo do tipo de Deus a quem servimos. "Se sois filhos de Deus, sois participantes de Sua natureza, e não podeis deixar de ser semelhantes a Ele. Todo filho vive pela vida de seu pai. Se sois filhos de Deus – gerados por Seu Espírito – viveis pela vida de Deus. ... Essa vida em vós produzirá o mesmo caráter e manifestará as mesmas obras que nEle produziu." – O Maior Discurso de Cristo, pág. 78.

O ato de perdoar nos habilita para o Céu, pois nos ensina a sermos mansos e livres do ódio aqui. O caráter que entrará no Céu será moldado aqui na Terra.

2 – Perdoar é um mandamento.

"Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos Céus" (Mat. 7:21).

Obediência é um requisito indispensável no viver cristão. Quando Jesus pronunciou as normas da vida cristã, não foi para serem apreciadas à distância, ou se tornarem objetos de infindáveis discussões teológicas. Seu propósito é que seus ensinos se tornem a prática diária de Seu povo.

Entre Seus muitos ensinamentos, o perdão ao próximo é um imperativo. "Perdoai e sereis perdoados" (Luc. 6:37).

"Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe" (Luc. 17:3).

"Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mat. 5:44).

"Sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros" (Efés. 4:32).

"Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem" (Col. 3:13).

É imperativo perdoar, pois o perdão é fruto do amor, e quando amamos a Deus, é o tratamento dado ao próximo que mede esse amor. Nunca entraremos no eterno lar de amor, se não aprendermos a amar aqui.

Como perdoar

"Ser cristão é perdoar o indesculpável, porque Deus perdoou o indesculpável em você." – C.S. Lewis.

"O escritor norueguês Johan Bojer, no livro The Great Hunger, conta a respeito de um homem cujo filho foi morto pelo cão do vizinho. Não sendo uma pessoa vingativa, o pai encontrou outro meio de livrar-se de sua mágoa. Quando uma fome tão grande grassou pelos campos do vizinho, a tal ponto de o homem não ter nem um grão de trigo para plantar, esse pai foi, numa noite, e semeou do seu cereal nos campos do vizinho, explicando: ‘Semeei nos campos do meu inimigo para provar que Deus existe.’" – Lição da Escola Sabatina, 3o Trim. de 1997, Lição 10, pág.1.

Deus continuará existindo, independente de nossa habilidade ou inabilidade para perdoar. Mas, quando perdoamos, mostramos que Ele existe em nossa vida.

" Mesmo os pecadores cujo coração não se ache inteiramente cerrado ao Espírito de Deus, corresponderão à bondade; conquanto devolvam ódio por ódio, darão também amor por amor. É, porém, unicamente o Espírito de Deus que dá amor em troca de ódio. Ser bondoso para o ingrato e o mau, fazer o bem sem esperar retribuição, é a insígnia da realeza celeste, o sinal certo pelo qual os filhos do Altíssimo revelam sua elevada condição." – O Maior Discurso de Cristo, pág. 75.

O "como perdoar" do crente, encontra sua motivação no "como" Jesus o perdoou.

"Quando vocês estavam mortos em pecados e na incircuncisão da sua carne, Deus os vivificou com Cristo. Ele nos perdoou todas as transgressões, " (Col. 2:13, NVI).

"Perdoem como o Senhor lhes perdoou. " (Col. 3:13).

Perdão não é um presente para quem merece. Se merecesse, haveria outro nome, não perdão. Quando relutamos em perdoar, já estamos pecando por ignorar a grandeza da graça que nos perdoou também.

Às vezes, demoramos a perdoar, porque nos medimos pelo ofensor, que julgamos pior que nós, quando, na verdade, deveríamos nos medir pela graça de Deus. É somente contemplando a grandeza das nossas faltas, que entenderemos a graça e, é pela graça de Deus reproduzida em nós que perdoaremos.

"Os dons de Deus só podem fluir sobre nós enquanto formos canais para comunicá-los a outros... Se o perdão é o primeiro dom da graça de Deus sobre nós através de Cristo, este é o primeiro dever do cristão para com os seus semelhantes." – Lição da Escola Sabatina, 3o Trim. 1997, Lição 10, pág. 4A.

A parábola do credor incompassivo em Mateus 18:23-35 é uma advertência sobre o prejuízo que podemos ter por ignorar a graça que nos perdoou. Esses prejuízos podem ser de conseqüências eternas.

"Tanto quanto permitem suas muitas limitações, o cristão imita a perfeita e completa forma como Deus perdoa. ... O fato de o cristão haver recebido a completa medida do perdão divino o coloca na mais estrita obrigação de perdoar o seu próximo, da mesma maneira como foi perdoado." – SDA Bible Dictionary, pág. 370.

– Você tem visto com clareza o quanto eram grandes as suas faltas perdoadas por Jesus?

– Tinha Jesus a obrigação de perdoar você?

– Se foi pela graça, somos mais dignos da graça do que outros?

Perdoar nossos inimigos

"Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; ... porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo?" (Mat. 5:44 e 46).

Jesus exigiu algo muito difícil. Amar os inimigos não é normal, mas é uma atitude cristã. Na ética do cristianismo, a semelhança com Jesus é o objetivo supremo.

No Seu ministério na Terra, Jesus não buscou fazer membros de igreja, e sim discípulos (Mat. 28:19 e 20). A relação do discípulo para com o Mestre é de assimilação tanto dos Seus ensinamentos, como do Seu estilo de vida.

Enquanto nos conformarmos simplesmente com um rótulo de uma igreja continuaremos a passar despercebidos. Mas, quando encarnarmos o modelo de vida de Cristo em nós, então, o mundo será sacudido com algo que ainda não viu, pessoas que amam, que amam até os seus inimigos. Seremos então, pequenos cristos, ou uma representação autêntica de cristianismo no mundo. Isso é possível?

Sim. Há dois personagens bíblicos que são autênticos tipos de Cristo, e que testemunharam com a vida a possibilidade de amar os inimigos.

O primeiro é José do Egito. Ele é muito parecido com Jesus. Foi para um lugar que não era seu lugar de origem; odiado pelos seus irmãos; vendido por algumas moedas de prata; Judá estava envolvido na sua venda; como Judas, na traição de Jesus; sofreu humilhações e impropérios e ainda assim, perdoou seus irmãos (Gên. 50:15-21). Como ele conseguiu? "Acharíamos, porventura, homem como este, em quem há o Espírito de Deus?" (Gên. 41:38).

O amor perdoador é o primeiro fruto do Espírito Santo (Gál. 5:22).

O segundo personagem é Estêvão. A sua vida é muito semelhante à de Jesus. Julgado pelo mesmo tribunal; acusado sem advogado de defesa; perdoou os inimigos na hora da morte (Atos 7:60) como Jesus fez também. Como ele conseguiu? "Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no Céu e viu a glória de Deus e Jesus, que estava à Sua direita" (Atos 7:55).

José e Estêvão tinham algo em comum; o Espírito de Deus. Só perdoaremos como Jesus quando tivermos o Espírito de Jesus. "É, porém, unicamente o Espírito de Deus que dá amor em troca de ódio." – O Maior Discurso de Cristo, pág. 75.

– Você julga importante ser cheio do Espírito de Deus?

– Tem você orado para receber um batismo diário do Espírito Santo?

– Perdoar os outros não se torna mais difícil porque não é uma prioridade nossa?

Perdão e justiça civil

"Sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem" (I Ped. 2:13 e 14 NVI).

Será que a cruz nos submete a uma aceitação não violenta de toda violência? Invalida ela o processo de justiça criminal...? Proíbe a cruz o uso de todo tipo de força, de modo que os postos de soldado, policial, magistrado ou carcereiro seriam incompatíveis com o cristão? Essas interrogações são interessantes para entendermos o dever do Estado à luz da cruz.

"Embora os seguidores de Jesus jamais tenham o direito de recusar perdão, muito menos fazer vingança, não nos é permitido baratear o perdão, oferecendo-o prematuramente onde não houver arrependimento." – John Stott, A Cruz de Cristo, pág. 271.

Arrependimento é uma condição básica para a aplicação do perdão. E não podemos esquecer que arrependimento implica em mudança de mente e atitude quanto ao erro. Quantos criminosos que foram absolvidos em julgamentos mudaram de vida?

A Bíblia nos ensina como nos portarmos ante a questão do bem e do mal.

1 – "Detestai o mal, apegando-vos ao bem" (Rom. 12:9).

"O comprometimento com o mal é incompatível com o amor. O amor busca o bem maior dos outros e, portanto, odeia o mal que o estraga." – Ibidem, pág. 275.

2 – "Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens" (Rom. 12:17).

O povo de Deus está totalmente proibido de fazer vingança e retaliação.

3 – "Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem." (Rom. 12:21).

A tragédia do pagar o mal com o mal é que, ao fazê-lo, acrescentamos mal ao mal e assim, aumentamos a quantidade de mal no mundo.

4 – "A autoridade é ministro de Deus para teu bem. ... É ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal" (Rom. 13:4).

O mal deve ser punido. Esta passagem não contradiz as anteriores, mas as equilibra. Deus manifesta sua ira contra os malfeitores não apenas de forma total no juízo final, mas agora, através dos processos judiciais do estado, visto que a autoridade é ministro de Deus, vingador para castigar o que pratica o mal (Rom. 13:4).

"Nesse sentido, escreve o Dr. Cranfield, o estado é uma manifestação parcial, antecipada e provisional da ira de Deus contra o pecado." – Ibidem, pág. 277.

Embora o cristão não deva se tornar prisioneiro do ódio contra algum criminoso, a disposição de perdoar não exclui o estado de aplicar as devidas penas para correção e inibição do mal, prevenindo suas posteriores manifestações.

O estado é autorizado por Deus a fazer o que o crente individual é proibido fazer.

Que Deus nos ajude a crescer na graça do perdão. Amém.